quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sapatilhas com luz...

Acabava o dia de trabalho. O elevador desceu do 10 ao zero, com 8 paragens pelo meio. As conversas do elevador raramente me interessam e têm tendencialmente a capacidade de me chatear. Liguei o meu iPod, o NiPod. No zero, entre os pés inquietos, as bengalas e muletas a tentar entrar no elevador sem deixarem sair quem lá estava, vi umas sapatilhas, pequeninas, cor-de-rosa e com brilhantes, paradas. Estavam sozinhas naquela fila de cadeiras, que por sinal foi sempre a fila que escolhi quando entrei na capela.
Fui ver. Desligo o NiPod... Era uma menina, vestida toda a condizer com as sapatilhas (incluindo a mochila...), com os cabelos cor de ouro e uns olhos de fazer inveja ao mar.
Olhou-me com esperança, mas corrigiu depressa... e disse baixinho e triste: "Achei que era o meu pai...".
Perguntei-lhe se estava sozinha e se precisava de alguma coisa...
"O meu pai mandou-me esperar aqui... Ele foi ver a minha mãe. Eu queria ir, mas ele não me deixa."
A conversa fica logo difícil.
Tento mudar, pelo menos o tom: "Se quiseres, posso fazer companhia a uma menina tão bonita como tu..."
- "Também tens que esperar por alguém?"
Disse-lhe que não, que trabalhava ali, que estava de saída quando vi umas sapatilhas tão giras que só podiam ser de uma menina também muito gira.
A luz daqueles olhinhos voltou a brilhar mais: "Trabalhas aqui? Então conheces a minha mãe... Ela é assim bonita como eu... Sabes quem é?"
Com muito jeitinho, tentei dizer-lhe que não... "é que aqui está muita gente, não conseguimos conhecer todos..."
- "Mas, olha, ela é assim... como eu... Eu queria vê-la e o meu pai não me deixa..." Pára um pouco, muito pouco... e continua com uma naturalidade que dói... "Eu acho que ela vai morrer e queria vê-la e dizer-lhe que gosto muito dela e... que me tenho portado bem!"
Expliquei, como quem esfarrapadamente arranja desculpas: "Aqui é o hospital dos adultos... e não deixam entrar crianças."
Perguntou, sem disfarçar a tristeza e a indignação: "E como é que eu faço para dizer estas coisas à minha mãe?"
"Podes escrever... Queres? Se quiseres eu ajudo-te..."
"Oh... Mas também não posso entregar..."
Sugeri que entregasse a alguém que fosse visitar a mãe..., mas ela continuou "o meu pai ia ler e chorar... e eu não quero!"
Estava complicado. Só vi uma salvação. Rezei para que corresse bem. "Sabes quem é Jesus?"
Com o dedo tão decidido quanto ela, apontou (não sei para onde, que não tirei os olhos dela...): "É Ele."
Não sei se suspirei, mas respirei de alívio. "Eu acho que Ele consegue ler o que tu escreveres e que diz à tua mãe... Não achas?!"
Tirou o estojo cor-de-rosa da mochila, escolheu criteriosamente a caneta e, numa folha de um caderno exemplar começou a escrever:
"Querida mãe, eu gosto muito de ti e tenho-me portado bem...
O pai anda triste porque acha que tu vais morrer..."
Não eram muito mais as palavras, mas, confesso, já não consegui ler todas...
Acabava com "um beijinho para a minha mãe. Gosto muito de ti."
Arrumou tudo e disse: "Eu também acho que Ele consegue ler..."
Ficámos mais um pouco a falar de sapatilhas com luz...






Ni

1 comentário:

Filipa disse...

Que linda historia Ni :) voces são mesmo uns anjos :) uns enviados de d'Ele.

Espero que o desfecho não tenha sido como a menina pensava :'( mas caso contrario que Ele a consiga iluminar para o resto da vida dela. bjinho.
saudades de te ler :$ ***